domingo, 19 de setembro de 2010

Com 900 mil votos, Tiririca teria a maior votação do país



A experiência política dos últimos anos mostrou que a democracia é um regime com imperfeições. No entanto, dos vários modelos políticos que tivemos, a democracia se destaca pela possibilidade de ampla participação do povo e de constante renovação dos políticos. Para isso melhorar, precisamos tomar cuidado em quem depositamos o nosso voto. Entretanto, a matéria abaixo revela que muitos paulistas e paulistanos não estão pensando nisso. Triste!

Rogério de Souza.

***

O palhaço Tiririca (PR), que provoca risos e polêmica desde que suas controversas propagandas foram ao ar na TV, seria, se a eleição fosse hoje, o deputado federal mais votado em todo o país.
Pesquisa Datafolha mostra que ele obteria 3% dos votos em São Paulo, chegando a 900 mil, considerando-se a proporção de 30 milhões de eleitores do Estado.
Tiririca venceria políticos tradicionais como o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) que, assim como o também deputado Márcio França (PSB-SP), aparece na sequência, com 1% dos votos, chegando a uma estimativa de cerca de 300 mil cada um.
Tiririca teria mais votos do que Maluf teve nas eleições de 2006, quando foi o deputado mais votado em todo o Brasil, com 739 mil votos.

Divulgação
Com a legenda 2222, de fácil memorização, o palhaço Tiririca foi escalado como puxador de votos pelo Partido da República
Em termos absolutos, em toda a história só perderia para Enéas Carneiro, morto em 2007, que nas eleições de 2002 foi anotado na urna por 1,5 milhão de eleitores.
Outras votações históricas, como a de Lula em 1986 --650 mil--, também seriam superadas. Neste caso, ressalve-se, o colégio eleitoral era menor do que o de hoje.
O interesse sobre o palhaço é tanto que, desde a semana de 15 de agosto, o Google afere mais buscas por Tiririca do que por Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva.

ALVO DE ADVERSÁRIOS

Por causa de sua propaganda --"vote Tiririca, pior que tá não fica", "o que faz um deputado federal? na realidade eu não sei"--, cujo texto teve a participação de integrantes do grupo de humor Café com Bobagem, com quem trabalhou em "A Praça é Nossa", do SBT, o palhaço virou mote de adversários.
Já foi criticado por candidatos como Márcio França --que investiu no discurso de que política é coisa séria--, socado simbolicamente por Maguila (PTN) e levou Paulo Skaf (PSB) a mostrar imagem de si próprio como palhaço.
Além deles, Said Mourad (PSC) usou um candidato falso ("Larica 0000"), vestido como Tiririca, para logo advertir que "voto não é piada".
Fora da TV, até aliados como Aloizio Mercadante (PT), que tem o apoio do PR na eleição paulista, vieram a criticá-lo. O petista pediu ao eleitor, em debate Folha/RedeTV! desta semana, que não transformasse o voto "em um protesto" e que votasse em políticos sérios.

FORASTEIROS
Outros outsiders da política também aparecem bem mencionados na pesquisa. O ex-jogador Romário (PSB), que estreia no certame eleitoral fluminense, tem 1% das menções. Em um colégio de 11,5 milhões de eleitores, poderia angariar 115 mil votos.
Mais um ex-atleta bem posicionado é o ex-goleiro Danrlei, que fez carreira no Grêmio. Ele aparece, entre os gaúchos, com 1% das intenções, o que lhe daria 80 mil votos, considerada a proporção de eleitores no Estado.
Dentre os candidatos que exercem ou já exerceram mandatos parlamentares se destacam, no Rio, o ex-governador Anthony Garotinho e o apresentador e deputado estadual Wagner Montes.
Garotinho, do mesmo PR de Tiririca, teria 2% e seria o mais bem votado no Estado, com 230 mil votos.
Wagner Montes (PDT) tem o mesmo 1% de Romário, assim como o deputado federal Jair Bolsonaro (DEM).
No Rio Grande do Sul, Manuela D'Ávila (PC do B), a deputada mais votada entre os gaúchos em 2006, pode repetir o feito. Com 2% das intenções, teria 160 mil votos.
Em Minas Gerais, segundo maior colégio do país, oito candidatos aparecem empatados em primeiro com 1%, sendo seis do PT.

INDECISOS
A pesquisa mostra também que dois em cada três eleitores (66%) ainda não decidiram em quem votar para deputado federal.

FERNANDO GALLO
Fonte: www.folha.com.br (19/09/2010)

As celebridades na política

A matéria abaixo explica peculiaridade (quociente eleitoral) da política brasileira e porque os partidos políticos recorrem a personagens conhecidos nas disputas eleitorais.

Rogério de Souza.


Quociente eleitoral favorece "fenômeno Tiririca"; entenda como funciona

Com o slogan "pior que tá não fica", o palhaço Tiririca é a aposta do PR para as eleições parlamentares deste ano no Estado de São Paulo. Apesar da polêmica - e dos risos - que seus bordões vêm despertando no horário eleitoral, a presença do humorista na campanha obedece a uma lógica simples: conquistar o maior número de votos possíveis para que eleger a si mesmo e a outros candidatos por meio do quociente eleitoral.
O cientista Rubens Figueiredo, da USP (Universidade de São Paulo), explica como funciona:
"O Estado de São Paulo tem 70 deputados federais. Vamos supor que São Paulo tenha 700 mil votos. Dividindo 700 mil por 70, o quoeficiente seria de 10 mil. O partido vai ter 30 candidatos: soma a votação de todos mais os votos na legenda. Vamos supor que deu 22 mil. Agora divida 22 mil por 10 mil - vai dar 2,2. O partido vai eleger dois deputados", detalha.
Num dos casos mais curiosos, a vaga de Clodovil Hernandes (PTC-SP) na Câmara Federal foi ocupada por Paes de Lira (PTC), coronel da reserva da Polícia Militar, assumidamente conservador e contrário à união homossexual ("a Constituição é clara ao dizer que casamento é entre homem e mulher", afirmou).
Homossexual assumido, o estilista Clodovil, que faleceu no início de 2009, foi eleito com quase 500 mil votos nas eleições de 2006, abrindo as portas para que Lira chegasse a sua suplência após ter recebido cerca de 7 mil votos. "Você tem essa possibilidade de a locomotiva se eleger arrastando o restante", afirma o cientista político David Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília).
"O Tiririca [humorista, candidato a deputado federal em São Paulo] é do PR, que era o PL do Valdemar Costa Neto", diz Figueiredo. Dependendo da votação do humorista, Costa Neto, que renunciou em 2006 para escapar de cassação por envolvimento no escândalo do "mensalão", pode ser eleito a tiracolo.
Em outro caso emblemático, o cardiologista Éneas Carneiro elegeu-se deputado federal pelo Prona de São Paulo em 2002. Recorrendo ao bordão "Meu nome é Enéas", obteve votos suficientes para eleger outros cinco candidatos, todos com votações inexpressivas.
O especialista da UnB explica que a "sobra" dos votos só vai para um único partido se ele não estiver coligado com nenhuma outra agremiação - caso do Prona em 2002. "O pessoal fala no PR do Tiririca, mas os votos nele também vão beneficiar o PT", afirma o especialista. Os dois partidos estão coligados no Estado de São Paulo. "Por isso as pessoas se frustram nas eleições: votam em um candidato e acabam contribuindo para eleger alguém que não conhecem", diz.

Vantagens da fama
Na maioria das vezes, há um elemento determinante para que a candidatura das personalidades seja aceita por um partido: a notoriedade.
"No governo militar, Arena e MDB fizeram o maior assédio para o Pelé ser candidato em São Paulo, mas ele recusou", relembra Fleischer. "Na Roma antiga, era proibido ser ator e politico. É muito fácil transferir seu prestigio de um ramo para o outro", conta Luciano Dias, do IBEP (Instituto Brasileiro de Ciências Políticas).
O fenômeno, garantem os analistas, não se restringe as nossas fronteiras.
"Não é tipicamente brasileiro. A participação de celebridades é comum. Ronald Reagan [ex-presidente dos Estados Unidos] era ator, Arnold Schwarzzeneger, ator, é governador da Califórnia, Carlos Reutemann [ex-piloto argentino] foi presidente de província na Argentina, Cicciolina [ex-atriz pornô] se elegeu na Itália", afirma Figueiredo. "É um fenômeno da sociedade moderna", avalia.

Diego Salmen
Fonte: http://www.uol.com.br/ (19/09/2010)

Nova doméstica tem carro zero e faz faculdade

A reportagem abaixo mostra a dinâmica social de uma profissão que no passado era mal vista, mas nos últimos anos, principalmente após a estabilidade e crescimento econômico do país, conquistou espaço e passou a ser valorizada: a profissão da doméstica.
Destaque para o fato de a profissão empregar 17% das mulheres que estão no mercado de trabalho.
Sobre o tema, recomendo o filme "Domésticas", do diretor Fernando Meirelles - crítica social das condições de trabalho e vida das profissionais da área de forma divertida.

Rogério de Souza.

***

Aquele velho perfil da doméstica, com baixa escolaridade e renda inferior a um salário mínimo por mês, está perdendo espaço para um novo tipo de profissional da área: mulheres mais estudadas e com perfil empreendedor, afirmam as próprias trabalhadoras. O G1 conversou com domésticas que ganham em média R$ 1,5 mil, têm carro zero e, entre outras atividades, fazem faculdade.
Conforme dados divulgados este mês na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009 os trabalhadores domésticos no Brasil eram 7,2 milhões -- alta de 12% em relação ao ano anterior. Em cinco anos, o total de domésticos com carteira assinada subiu 20%, conforme a pesquisa.
O instituto mostra também que das 39,5 milhões de mulheres que trabalham no país, o maior percentual é justamente de domésticas (17%). 16,8% delas estão no comércio e 16,7% estão na educação, saúde e serviços sociais.
A carioca Vera Lúcia da Silva Teixeira, de 42 anos, diarista há mais de 20, vive uma realidade bem próxima da vivida pela patroa. Ela estuda direito em uma faculdade particular do Rio, paga colégio particular para a filha, de 19 anos, troca mensagens de celular com os patrões e ainda está sempre conectada na internet.
Moradora na Zona Oeste do Rio, Vera divide seu tempo de trabalho em oito apartamentos da Zona Sul. Mas a doméstica moderna afirma que seu caso não é tão comum e que sofre preconceitos. "Se falo que sou diarista, moro na Freguesia (bairro da Zona Oeste) e faço faculdade particular, não acreditam. As pessoas são muito preconceituosas",disse.
Vera quer fazer concurso para ser juíza ao terminar a faculdade. Segundo ela, a relação com os patrões melhorou e ela se sente mais respeitada. “Tudo mudou. Parece que abre um leque, as pessoas te olham de outra forma”, contou.
Prefiro ir trabalhar de carro do que a pé. Imagina, depois de um dia cansativo de limpeza, ainda pegar ônibus lotado?"Agenora Silva, diarista.

Carro zero
Moradora de Santo André, na Grande São Paulo, a diarista Agenora Silva, de 47 anos, ganha, em média, R$ 1.500 por mês e trabalha em uma casa diferente a cada dia da semana. Ela diz não ter vergonha de sua profissão. "Eu acho que daqui a alguns anos, a empregada doméstica vai ter mais valor do que quem trabalha em banco, em firma. Eu tenho amigas que trabalham em loja, e falam como se fosse uma coisa superior. Mas elas ganham menos, mixaria", disse.
Vai para as casas onde trabalha de carro zero, que financiou em cinco anos com prestação de R$ 700 por mês. Foi beneficiada pela expansão do crédito e conseguiu financiamento mesmo sem comprovação de renda. "Prefiro ir trabalhar de carro do que a pé. Imagina, depois de um dia cansativo de limpeza, ainda pegar ônibus lotado?."
Agenora conta que o "sucesso" de sua profissão se dá por conta de seu empreendedorismo. "Tem que ser esperta, né. Eu avalio o tamanho da casa, a quantidade de gente que mora, a distância. Daí cobro entre R$ 60 e R$ 100 por dia de trabalho, dependendo do caso." Ela confessa que já recusou trabalho. "Quando não tenho dia, eu recuso. Às vezes eu queria ser duas." A diarista faz também academia para liberar o estresse do trabalho.
Com ensino médio completo e dona de uma casa própria, ela diz que sempre teve o sonho de estudar Administração de Empresas, mas afirma que "a idade não permite". Agora, o próximo passo é comprar uma moto. "Eu quero comprar e vou comprar. Gasta menos e posso deixar meu carro na garagem. Pretendo comprar até dezembro e estou juntando dinheiro para pagar à vista."
Eu mostrei no estacionamento e ele respondeu ‘mas aquilo ali não é carro de empregadinha não, é carro de madame’. Eu falei ‘olha, trabalhei muito, eu e meu marido, para conseguir comprar esse carro’. Só porque sou doméstica não posso ter um carro melhor?"Rosangela Gomes, diarista que vai de carro para o trabalhoA diarista Josefa Evaristo, moradora de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, tem 42 anos e é doméstica há 30. Também tem carro do ano financiado em 40 prestações de R$ 800. O valor é quase metade do que tira por mês, cerca de R$ 1.800 com ajuda de uma pensão do ex-marido, já falecido.
Além de sustentar a casa, ela ajuda os quatro filhos. "Estou terminando de construir uma casa para minha filha, que vai casar. E depois quero ver se começo a guardar dinheiro, para garantir uma vida boa lá na frente."
Outra doméstica representante deste novo perfil é Rosangela Pereira da Silva Gomes, de 32 anos, do Rio. Ela vai de carro, um Siena, para as três casas onde trabalha e, além disso, também está por dentro do mundo virtual.
Disse que já passou por cenas de preconceito por conta da profissão. Certa vez, um funcionário de um dos prédios onde ela trabalha perguntou se ela andava de ônibus. Ela respondeu que não, porque tinha carro. O rapaz, então, desconfiado, quis saber onde estava o carro de Rosa. “Eu mostrei no estacionamento e ele respondeu ‘mas aquilo ali não é carro de empregadinha não, é carro de madame’. Eu falei ‘olha, trabalhei muito, eu e meu marido, para conseguir comprar esse carro’. Só porque sou doméstica não posso ter um carro melhor?”, indagou Rosa.
Para ela, ser doméstica é mais vantajoso do que ser lojista ou secretária, profissões que ela já exerceu. “Trabalhei em uma loja de departamento, eram quase 12 horas por dia, uma exploração, não tinha direito a nada, era muito ruim o ambiente. Tudo fachada. Pedi demissão. Não tinha tempo de fazer mais nada na minha vida. Como doméstica não trabalho todos dias, tenho tempo para fazer minhas coisas, levo meu filho na escola e ganho mais”, disse ela, que é diarista há cinco anos.
Segundo Rosa, seu salário atual é o dobro do valor que recebia no comércio, onde, apesar da baixa remuneração e do clima pesado, não sentia preconceito.

Negócio próprio
Moradora de Belo Horizonte, a doméstica Maria Helena Pereira, de 36 anos, está na profissão há 18. Com o dinheiro que recebeu, comprou carro, casa e acaba de comprar uma loja para começar o próprio negócio.
Ela disse que voltou a estudar - voltou ao primeiro ano do ensino médio -- para buscar um caminho diferente na sua vida. "Daqui a um ano me vejo em outra profissão. Eu quero ter o meu próprio negócio. Não que eu não goste do que eu faço, mas essa vontade de mudar está dentro de mim", disse.
Os salários das domésticas, que eram abaixo do mínimo, costumam ser, na capital paulista, entre R$ 700 e R$ 1.200.

Mudança no perfil
A presidente do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo, Eliana Menezes, confirma a mudança no perfil das domésticas. "Antigamente, o emprego doméstico era tido como da época da escravidão, quando se trabalhava por comida. Não havia amizade, havia submissão."
Segundo ela, a mudança no perfil ocorreu por conta do aumento da renda, com instauração de piso salarial para a categoria, pouco superior ao salário mínimo. Confirmou que há diversos casos de mulheres que estudam e fazem cursos para se qualificar. Os salários, que eram abaixo do mínimo, costumam ser, na capital paulista, entre R$ 700 e R$ 1.200.
Ela pondera que as diaristas, que podem ganhar bem mais, até R$ 2.000, deveriam pensar melhor e tentar emprego com carteira assinada. "Esse é o ponto xis, ganham mais por dia, mas perdem imensamente mais. Não têm férias, não têm 13º. O nosso trabalho é conscientizá-las disso, de seus direitos."
Apesar da melhoria na situação das domésticas, conforme aponta o sindicato, o IBGE informa que, de modo geral, as condições de trabalho da categoria no Brasil continuam precárias - mais de 70% não tem carteira assinada e o rendimento médio mensal é de R$ 395.
A doméstica Jacionete Silva Santos de Paula, de São Paulo, disse que já aprendeu a lição. Tinha emprego com carteira assinada e ganhava um salário mínimo. Pediu demissão há um mês porque o trabalho estava pesado demais. Propôs que a patroa dobrasse seu salário e ainda contratasse uma diarista para ajudar, mas ela alegou que não podia.
"Chega de escravidão, não nasci para isso. Tenho consciência dos meus direitos e sei que posso encontrar um emprego melhor."

Carolina Lauriano, Mariana Oliveira e Pedro Triginelli
Fonte: www.g1.com.br (19/09/2010)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Lula e América Latina: o fim de uma era?

Marcela Sanchez, The New York Times
Em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Marisa Letícia, participam das comemorações do 7 de Setembro
Não é fácil ser líder regional na América Latina. Agradar aos seguidores em seu próprio país já é difícil; mas os desafios aumentam quando se tem o perfil do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, no qual depositaram suas esperanças os milhões de pessoas que viram nele a capacidade de influir nos temas políticos e econômicos mais prementes nestes tempos polarizados.
Para alguns nesta cidade, o presidente brasileiro ficou aquém de satisfazer suas expectativas, e agora contam os dias até 3 de outubro, quando seus vizinhos brasileiros irão às urnas para escolher um novo mandatário.
Localizada na área mais rica e branca da Bolívia, no leste, Santa Cruz foi considerada por muito tempo o bastião da oposição ao primeiro presidente indígena do país, Evo Morales. Em busca de maior autonomia do governo central, os cruzenhos - além de aspirar a separar-se da Bolívia - tentaram utilizar os laços econômicos e a proximidade geográfica com o gigante sul-americano para se manter distantes de La Paz.
Lula, no entanto, nunca ofereceu maior apoio à posição de Santa Cruz, uma decisão que se revelou sábia tanto para o Brasil como para a Bolívia. Morales não só foi eleito democraticamente em 2005, como reeleito em 2009; portanto, esteve no poder mais tempo que qualquer de seus predecessores desde que a Bolívia regressou à democracia, em 1982. Isso gera um nível de estabilidade que o Brasil aprecia.
Com relação ao tema das drogas ilícitas, potencialmente mais desestabilizador, o presidente brasileiro também enfrentou um difícil desafio. Enquanto se desligava dos esforços de Morales para glorificar a folha de coca, Lula teve de tomar cuidado para não ser vinculado às políticas antidrogas intransigentes e impopulares que Washington promoveu na Bolívia. Desde que Morales, um antigo líder produtor de coca, expulsou a agência antidrogas FDA de seu país, Lula aprofundou a cooperação entre a Polícia Federal brasileira e suas contrapartes bolivianas, sempre cauteloso para manter um papel discreto.
Isso foi só na Bolívia. Em seus oito anos de governo, o líder brasileiro teve de navegar com habilidade pelas expectativas de muitos outros na região.
Na Colômbia, por exemplo, com frequência o governo de Álvaro Uribe pareceu desiludido com o apoio pouco entusiástico do Brasil a sua campanha anti-insurgentes. Enquanto na Venezuela o presidente Hugo Chávez foi um promotor ardoroso da crescente influência de Lula na região - quando não se dedicava a solapá-la.
Durante esse período, Lula conseguiu manter sua popularidade em casa e no exterior e levantou o perfil do Brasil nos âmbitos regional e global. Favoreceu a integração regional através da criação da União de Nações Sul-americanas e teve um papel importante nas discussões globais de comércio, mudança climática e na crise econômica mundial.
De fato, o crescente peso econômico de países como Brasil, China e Índia levou ao surgimento do Grupo dos 20 como o cenário oficial predileto para coordenar a reação internacional à crise, substituindo o G-7.
Lula também extrapolou às vezes. Particularmente, seu esforço para cultivar uma relação com o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, teve pouco êxito e foi visionário a ponto de fazê-lo parecer insensível e indiferente à situação da população iraniana.
Não há dúvida de que depois da partida de Lula a região perderá seu único líder de estatura internacional e com uma capacidade incomum de convocação. Esta semana o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede na Grã-Bretanha, emitiu seu relatório estratégico anual, em que inclui um extenso exame da crescente influência global da América Latina. Difícil imaginar que esse capítulo se justificasse sem a gestão de Lula.
De todo modo, especialistas brasileiros concordam que a saída do mandatário não levará à retirada do Brasil do cenário internacional. Como disse o embaixador americano Thomas Shannon em uma entrevista em São Paulo: "O Brasil não poderá voltar atrás na região". O veterano diplomata, que ocupou o cargo de secretário assistente de Estado para assuntos do hemisfério ocidental de 2005 a 2009, promoveu por muito tempo a maior participação do Brasil na região, que vê menos como concorrência e mais como um complemento necessário para os esforços de Washington.
Dilma Rousseff, a sucessora escolhida por Lula - que foi sua chefe de gabinete -, provavelmente ganhará a eleição, claramente favorecida pela popularidade de 80% do atual mandatário. Rousseff é considerada uma tecnocrata eficiente, mas menos carismática e sem o perfil internacional de seu chefe.
Mesmo assim, Rousseff terá de subir ao palco internacional, e não só porque seu país sediará a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos dois anos depois. O Brasil enfrenta crescentes preocupações de segurança que não poderá enfrentar isoladamente. O Brasil é o segundo consumidor de cocaína do mundo, 80% da qual provêm da Bolívia. Só isso exigirá que a nova líder seja mais convincente que seu antecessor para conseguir que Morales enfrente o narcotráfico com mais seriedade.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: www.uol.com.br (15/09/2010)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Segurança pública e eleições

Os candidatos devem uma abordagem realista, profunda e transparente sobre questões que estão no cerne da falta de segurança de nosso país

Na Inglaterra, não faltam vagas no sistema prisional, tendo o Estado construído as cadeias necessárias para abrigar os seus 85 mil presos. Mesmo assim, no último dia 29 de junho, o seu secretário da Justiça, Kenneth Clarke, anunciou ampla reforma voltada ao desencarceramento, com trabalhos comunitários, ao invés de prisão, para os crimes mais leves.
Isso porque a taxa de reincidência daqueles que saem da cadeia supera os 60%. Além disso, os custos estão insuportáveis até para a forte economia inglesa, gastando-se anualmente 57 mil libras (cerca de R$ 155 mil) por preso, mais do que o valor da educação de uma criança nas escolas mais caras da Inglaterra.
Assim fizeram o Canadá, que, em razão de uma crise econômica, reduziu em 11% o número de presos, e a Finlândia, que diminuiu a quantidade de pessoas encarceradas para 60 a cada 100 mil habitantes. E no Brasil?
Em que pese tenhamos tido em 1998 uma reforma penal, com penas alternativas para os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, apenados com até quatro anos, daquela época para cá o número de presos, que girava em torno de 230 mil, mais do que dobrou, chegando hoje a 473 mil.
Isso tudo com insuportável superlotação, faltando mais de 200 mil vagas! E se a nossa polícia tivesse a capacidade de cumprir metade dos 500 mil mandados de prisão expedidos? Onde colocar essa gente toda? Daí, sinceramente, não acreditar que nosso Estado realmente priorize a efetivação dessas prisões.
E aí está o descrédito dos poderes constituídos, desaguando no episódio ocorrido no Rio de Janeiro, no último dia 21 de agosto, em que gangue fortemente armada andava pelas ruas, sem pudor qualquer, em pleno dia, chegando a invadir hotel de luxo, repleto de turistas.
Ocorre que, diante do lastimável estado de nossas prisões, houve, há poucos dias, outro escândalo naquela cidade, em que os próprios presos faziam o papel de carcereiros ! Ora, se nem os ingleses, com sua forte economia, conseguem pagar a conta de seus 82 mil presos, nós conseguiremos manter população carcerária que, como visto, se cumpridos metade dos mandados de prisão que estão na rua, poderá chegar a 723 mil presos?
Daí o nosso alerta: o legislador e os juízes têm clara ciência dos custos da manutenção de um preso em regime fechado, em nossas podres cadeias, com reincidência superior a 70%? E o contribuinte, é informado desses números?
Esses dados são fundamentais para sabermos quais as projeções para os próximos 20 anos, o impacto econômico e qual política de direito penal que devemos adotar. Os candidatos à Presidência da República e aos governos devem ao eleitor uma abordagem realista, transparente e profunda sobre essas questões, que estão no cerne da nossa falta de segurança.

ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 41, mestre e doutor em direito pela USP, advogado criminalista, é conselheiro da OAB-SP (seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil), professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e coautor de "Código Penal Comentado".

Fonte: Folha de São Paulo - 12 de Setembro de 2010

sábado, 11 de setembro de 2010

Carta Capital: filha de Serra expôs sigilo de 60 milhões de brasileiros

A revista CartaCapital que está nas bancas nesta semana traz reportagem de Leandro Fortes que coloca em apuros o tucano José Serra. Segundo a reportagem, baseada em documentos oficiais, por 15 dias no ano de 2001, no governo FHC/Serra a empresa Decidir.com abriu o sigilo bancário de 60 milhões de brasileiros. A Decidir.com é o resultado da sociedade, em Miami, da filha de Serra, Verônica Serra, com a irmã de Daniel Dantas. Por cerca de 20 dias, os dados de quase 60 milhões de correntistas brasileiros ficaram expostos à visitação pública na internet, no que é, provavelmente uma das maiores quebras de sigilo bancário da história do País. Verônica Serra é hoje a principal estrela da campanha política do pai, José Serra, justamente por ser vítima de uma ainda mal explicada quebra de sigilo fiscal.

30 de janeiro de 2001, o peemedebista Michel Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, enviou um ofício ao Banco Central, comandado à época pelo economista Armínio Fraga. Queria explicações sobre um caso escabroso. Naquele mesmo mês, por cerca de 20 dias, os dados de quase 60 milhões de correntistas brasileiros haviam ficado expostos à visitação pública na internet, no que é, provavelmente uma das maiores quebras de sigilo bancário da história do País. O site responsável pelo crime, filial brasileira de uma empresa argentina, se chamava Decidir.com e, curiosamente, tinha registro em Miami, nos Estados Unidos, em nome de seis sócios. Dois deles eram empresárias brasileiras: Verônica Allende Serra e Verônica Dantas Rodenburg.
Ironia do destino, a advogada Verônica Serra, 41 anos, é hoje a principal estrela da campanha política do pai, José Serra, justamente por ser vítima de uma ainda mal explicada quebra de sigilo fiscal cometida por funcionários da Receita Federal. A violação dos dados de Verônica tem sido extensamente explorada na campanha eleitoral. Serra acusou diretamente Dilma Rousseff de responsabilidade pelo crime, embora tenha abrandado o discurso nos últimos dias.
Naquele começo de 2001, ainda durante o segundo mandato do presidente FHC, Temer não haveria de receber uma reposta de Fraga. Esta, se enviada algum dia, nunca foi registrada no protocolo da presidência da Casa. O deputado deixou o cargo menos de um mês depois de enviar o ofício ao Banco Central e foi sucedido pelo tucano Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais, hoje candidato ao Senado. Passados nove anos, o hoje candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff garante que nunca mais teve qualquer informação sobre o assunto, nem do Banco Central nem de autoridade federal alguma. Nem ele nem ninguém.
Graças à leniência do governo FHC e à então boa vontade da mídia, que não enxergou, como agora, nenhum indício de um grave atentado contra os direitos dos cidadãos, a história ficou reduzida a um escândalo de emissão de cheques sem fundos por parte de deputados federais.
Temer decidiu chamar o Banco Central às falas no mesmo dia em que uma matéria da Folha de São Paulo informava que, graças ao passe livre do Decidir.com, era possível a qualquer um acessar não só os dados bancários de todos os brasileiros com conta corrente ativa, mas também o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), a chamada “lista negra”do BC. Com base nessa facilidade, o jornal paulistano acessou os dados bancários de 692 autoridades brasileiras e se concentrou na existência de 18deputados enrolados com cheques sem fundos, posteriormente constrangidos pela exposição pública de suas mazelas financeiras.
Entre esses parlamentares despontava o deputado Severino Cavalcanti, então do PPB (atual PP) de Pernambuco, que acabaria por se tornar presidente da Câmara dos Deputados, em 2005, com o apoio da oposição comandada pelo PSDB e pelo ex-PFL (atual DEM). Os congressistas expostos pela reportagem pertenciam a partidos diversos: um do PL, um do PPB, dois do PT, três do PFL, cinco do PSDB e seis do PMDB. Desses, apenas três permanecem com mandato na Câmara, Paulo Rocha (PT-PA), Gervásio Silva (DEM-SC) e Aníbal Gomes (PMDB-CE). Por conta da campanha eleitoral, CartaCapital conseguiu contato com apenas um deles, Paulo Rocha. Via assessoria de imprensa, ele informou apenas não se lembrar de ter entrado ou não com alguma ação judicial contra a Decidir.com por causa da quebra de sigilo bancário.
Na época do ocorrido, a reportagem da Folha ignorou a presença societária na Decidir.com tanto de Verônica Serra, filha do candidato tucano, como de Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity. Verônica D. e o irmão Dantas foram indiciados, em 2008, pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, por crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha, gestão fraudulenta de instituição financeira e empréstimo vedado. Verônica também é investigada por participação no suborno a um delegado federal que resultou na condenação do irmão a dez anos de cadeia. E também por irregularidades cometidas pelo Opportunity Fund: nos anos 90, à revelia das leis brasileiras, o fundo operava dinheiro de nacionais no exterior por meio de uma facilidade criada pelo BC chamada Anexo IV e dirigida apenas a estrangeiros.
A forma como a empresa das duas Verônicas conseguiu acesso aos dados de milhões de correntistas brasileiros, feita a partir de um convênio com o Banco do Brasil, sob a presidência do tucano Paolo Zaghen, é fruto de uma negociação nebulosa. A Decidir.com não existe mais no Brasil desde março de 2002, quando foi tornada inativa em Miami, e a dupla tem se recusado, sistematicamente, a sequer admitir que fossem sócias, apesar das evidências documentais a respeito. À época, uma funcionária do site, Cíntia Yamamoto, disse ao jornal que a Decidir.com dedicava-se a orientar o comércio sobre a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, nos moldes da Serasa, empresa criada por bancos em 1968. Uma “falha”no sistema teria deixado os dados abertos ao público. Para acessá-los, bastava digitar o nome completo dos correntistas.
A informação dada por Yamamoto não era, porém, verdadeira. O site da Decidir.com, da forma como foi criado em Miami, tinha o seguinte aviso para potenciais clientes interessados em participar de negócios no Brasil: “encontre em nossa base de licitações a oportunidade certa para se tornar um fornecedor do Estado”. Era, por assim dizer, um balcão facilitador montado nos Estados Unidos que tinha como sócias a filha do então ministro da Saúde, titular de uma pasta recheada de pesadas licitações, e a irmã de um banqueiro que havia participado ativamente das privatizações do governo FHC.
A ação do Decidir.com é crime de quebra de sigilo fiscal. O uso do CCF do Banco Central é disciplinado pela Resolução 1.682 do Conselho Monetário Nacional, de 31 de janeiro de 1990, que proíbe divulgação de dados a terceiros. A divulgação das informações também é caracterizada como quebra de sigilo bancário pela Lei n˚ 4.595, de 1964. O Banco Central deveria ter instaurado um processo administrativo para averiguar os termos do convênio feito entre a Decidir.com e o Banco do Brasil, pois a empresa não era uma entidade de defesa do crédito, mas de promoção de concorrência. As duas também deveriam ter sido alvo de uma investigação da polícia federal, mas nada disso ocorreu. O ministro da Justiça de então era José Gregori, atual tesoureiro da campanha de Serra.
A inércia do Ministério da Justiça, no caso, pode ser explicada pelas circunstâncias políticas do período. A Polícia Federal era comandada por um tucano de carteirinha, o delgado Agílio Monteiro Filho, que chegou a se candidatar, sem sucesso, à Câmara dos Deputados em 2002, pelo PSDB. A vida de Serra e de outros integrantes do partido, entre os quais o presidente Fernando Henrique, estava razoavelmente bagunçada por conta de outra investigação, relativa ao caso do chamado Dossiê Cayman, uma papelada falsa, forjada por uma quadrilha de brasileiros em Miami, que insinuava a existência de uma conta tucana clandestina no Caribe para guardar dinheiro supostamente desviado das privatizações. Portanto, uma nova investigação a envolver Serra, ainda mais com a família de Dantas a reboque, seria politicamente um desastre para quem pretendia, no ano seguinte, se candidatar à Presidência. A morte súbita do caso, sem que nenhuma autoridade federal tivesse se animado a investigar a monumental quebra de sigilo bancário não chega a ser, por isso, um mistério insondável.
Além de Temer, apenas outro parlamentar, o ex-deputado bispo Wanderval, que pertencia ao PL de São Paulo, se interessou pelo assunto. Em fevereiro de 2001, ele encaminhou um requerimento de informações ao então ministro da Fazenda, Pedro Malan, no qual solicitava providências a respeito do vazamento de informações bancárias promovido pela Decidir.com. Fora da política desde 2006, o bispo não foi encontrado por CartaCapital para informar se houve resposta. Também procurada, a assessoria do Banco Central não deu qualquer informação oficial sobre as razões de o órgão não ter tomado medidas administrativas e judiciais quando soube da quebra de sigilo bancário.
Fundada em 5 de março de 2000, a Decidir.com foi registrada na Divisão de Corporações do estado da Flórida, com endereço em um prédio comercial da elegante Brickell Avenue, em Miami. Tratava-se da subsidiária americana de uma empresa de mesmo nome criada na Argentina, mas também com filiais no Chile (onde Verônica Serra nasceu, em 1969, quando o pai estava exilado), México, Venezuela e Brasil. A diretoria-executiva registrada em Miami era composta, além de Verônica Serra, por Verônica Dantas, do Oportunity, Brian Kim, do Citibank, e por mais três sócios da Decidir.com da Argentina, Guy Nevo, Esteban Nofal e Esteban Brenman. À época, o Citi era o grande fiador dos negócios de Dantas mundo afora. Segundo informação das autoridades dos Estados Unidos, a empresa fechou dois anos depois, em 5 de março de 2002. Manteve-se apenas em Buenos Aires, mas com um novo slogan: “com os nossos serviços você poderá concretizar negócios seguros, evitando riscos desnecessários”.
Quando se associou a Verônica D. na Decidir.com, em 2000, Verônica S. era diretora para a América Latina da companhia de investimentos International Real Returns (IRR), de Nova York, que administrava uma carteira de negócios de 660 bilhões de dólares. Advogada formada pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Harvard, nos EUA, Verônica S. também se tornou conselheira de uma série de companhias dedicadas ao comércio digital na América Latina, entre elas a Patagon.com, Chinook.com, TokenZone.com, Gemelo.com, Edgix, BB2W, Latinarte.com, Movilogic e Endeavor Brasil. Entre 1997 e 1998, havia sido vice-presidente da Leucadia National Corporation, uma companhia de investimentos de 3 bilhões de dólares especializada nos mercados da América Latina, Ásia e Europa. Também foi funcionária do Goldman Sachs, em Nova York.
Verônica S. ainda era sócia do pai na ACP – Análise da Conjuntura Econômica e Perspectivas Ltda, fundada em 1993. A empresa funcionava em um escritório no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, cujo proprietário era o cunhado do candidato tucano, Gregório Marin Preciado, ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), nomeado quando Serra era secretário de Planejamento do governo de São Paulo, em 1993. Preciado obteve uma redução de dívida no Banco do Brasil de 448 milhões de reais para irrisórios 4,1 milhões de reais no governo FHC, quando Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-arrecadador de campanha de Serra, era diretor da área internacional do BB e articulava as privatizações.
Por coincidência, as relações de Verônica S. com a Decidir.com e a ACP fazem parte do livro Os Porões da Privataria, a ser lançado pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em 2011.
De acordo com o texto de Ribeiro Jr., a Decidir.com foi basicamente financiada, no Brasil, pelo Banco Opportunity com um capital de 5 milhões de dólares. Em seguida, transferiu-se, com o nome de Decidir International Limited, para o escritório do Ctco Building, em Road Town, Ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas, famoso paraíso fiscal no Caribe. De lá, afirma o jornalista, a Decidir.com internalizou 10 milhões de reais em ações da empresa no Brasil, que funcionava no escritório da própria Verônica S. A essas empresas deslocadas para vários lugares, mas sempre com o mesmo nome, o repórter apelida, no livro, de “empresas-camaleão”.
Oficialmente, Verônica S. e Verônica D. abandonaram a Decidir.com em março de 2001 por conta do chamado “estouro da bolha” da internet – iniciado um ano antes, em 2000, quando elas se associaram em Miami. A saída de ambas da sociedade coincide, porém, com a operação abafa que se seguiu à notícia sobre a quebra de sigilo bancário dos brasileiros pela companhia. Em julho de 2008, logo depois da Operação Satiagraha, a filha de Serra chegou a divulgar uma nota oficial para tentar descolar o seu nome da irmã de Dantas. “Não conheço Verônica Dantas, nem pessoalmente, nem de vista, nem por telefone, nem por e-mail”, anunciou.
Segundo ela, a irmã do banqueiro nunca participou de nenhuma reunião de conselho da Decidir.com. Os encontros mensais ocorriam, em geral, em Buenos Aires. Verônica Serra garantiu que a xará foi apenas “indicada”pelo Consórcio Citibank Venture Capital (CVC)/Opportunity como representante no conselho de administração da empresa fundada em Miami. Ela também negou ter sido sócia da Decidir.com, mas apenas “representante”da IRR na empresa. Mas os documentos oficiais a desmentem.

Leandro Fortes (11/09/2010)
Fonte: www.cartamaior.com.br

Um partido de quadros que perdeu quadros

O avanço de Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência, no reduto tucano paulista, é um dado muito delicado para o grupo de José Serra dentro do PSDB. O partido nacional não se sairá bem das eleições de outubro, mas o tucanato paulista estará em maus lençóis mesmo que ganhe as eleições para o governo do Estado. Em São Paulo, a candidata do PT já tem votos para suplantar seu adversário tucano. Isso significa que Dilma conseguiu furar o bloqueio de uma forte rejeição petista no Estado, que tem garantido eleições sucessivas de candidatos do PSDB ou apoiados pelos tucanos, no momento em que as lideranças nacionais do PSDB paulista declinam. Para o PT, este é um acontecimento.
Mário Covas, que foi o grande articulador da criação do partido e o único elemento agregador desse núcleo original do PSDB, faleceu em 2001. Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente duas vezes na onda do Plano Real e de uma ideia genérica de "Brasil moderno" trazido pela hegemonia liberal, do qual acabou se tornando o grande artífice no país, com a inestimável ajuda do eleitorado conservador paulista, dos votos conservadores da região Sul e dos grotões sob a influência do PFL no Nordeste e no Norte. Saiu do governo desgastado por sucessivas crises econômicas e não assumiu qualquer papel de liderança interna. Se as pesquisas se confirmarem, José Serra perderá, já no primeiro turno, para Dilma Rousseff.
O grupo serrista tinha forte influência sobre o partido nacional e assumiu as rédeas do PSDB estadual, até então sob a órbita de influência do herdeiro de Covas, Geraldo Alckmin, um político de prestígio regional, mas afeito à política tradicional de alianças com chefes políticos locais. A máquina tucana no Estado foi montada por Alckmin; o chefe da Casa Civil de Serra, Aloysio Nunes, trabalhou muito para cooptá-la. O fato, no entanto, é que Alckmin ainda tem mais votos no Estado do que Serra.
Houve, portanto, um movimento claro do governador José Serra para assumir a liderança regional do partido, ao mesmo tempo em que mantinha forte influência sobre o partido nacional, apesar de emersões episódicas do governador de Minas, Aécio Neves.
Enquanto tinha o governo estadual e era tido como o preferido nas eleições presidenciais, o candidato tucano a presidente se manteve no controle das duas máquinas partidárias - a paulista e a nacional.
Se perder a eleição, Serra acumulará duas derrotas nas eleições presidenciais - foi candidato em 2002 e perdeu para Lula; é candidato em 2010 e pode perder para a candidata de Lula, num partido que depende desesperadamente de uma vitória para manter o nariz para fora da água. Está sendo cristianizado pelos candidatos tucanos ao governo e ao Senado quase no país inteiro. Dificilmente conseguirá se manter como liderança nacional sem cargo político e sem aliados internos de peso. Além disso, apesar das aparências, manteve-se em rota de colisão constante com o DEM. Uma estratégia de articulação oposicionista, no caso de vitória de Dilma Rousseff, tem poucas chances de ter o ex-governador como elemento de coesão - interna ou com aliados.
Por força do seu estilo, e das disputas locais, o candidato a governador tucano no Estado, Geraldo Alckmin, jamais alçou voos nacionais. Não se pode dizer que os grupos de Serra e de FHC tenham facilitado a vida de Alckmin, mesmo quando ele foi candidato à Presidência, em 2006. Alckmin entra pela porta da sala na política estadual; tem acesso apenas à porta da cozinha na política nacional. Se vencer a eleição, ele deterá o controle da maior parcela de um PSDB em crise. É duvidoso que consiga, no entanto, ser convidado para entrar na sala de visitas da cúpula nacional.
O PSDB, que sempre sobreviveu como partido de quadros, está com severos problemas - de quadros. Ao longo de sua existência, o partido se manteve em torno de personalidades que se desgastaram politicamente com o passar dos anos, ou estão velhas, ou morreram. A exceção é o governador Aécio Neves, uma geração abaixo da do grupo original e que, por manobras de Serra ou por esperteza, guardou-se do desgaste que o embate com um governo altamente popular traria e retirou a sua pré-candidatura a presidente da República.
São Paulo deve ainda contribuir fortemente para a bancada federal do PSDB, mas sem líderes que sustentem essa hegemonia, deve ficar muito parecido com o PMDB: cada um cuida de seus interesses eleitorais e todos brigam pelo controle regional porque isso facilita o trânsito de suas necessidades imediatas. Se Aécio não assumir o papel de líder nacional, já que chegará ao Senado com uma votação avassaladora, o PSDB estará condenado a ser uma federação de partidos regionais, a exemplo da legenda de Michel Temer.
Para o diretor da Sensus, Ricardo Guedes, a eleição foi definida, em favor de Dilma, no momento em que Serra alcançou 40% de rejeição. Do penúltimo CNT/Sensus, coletado de 31 de junho a 2 de agosto, para o último, feito de 20 a 22 de agosto, Serra passou de cerca de 30% de rejeição para 40%. Isso torna qualquer candidatura inviável, segundo Guedes.
Para Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, Dilma tem grandes chances de vencer no primeiro turno porque o período de propaganda eleitoral gratuita tem sido absolutamente eficiente no trabalho de associação entre ela e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha no rádio e na televisão tem servido mais como informação a um eleitor pré-disposto a votar na continuidade do que propriamente como instrumento de captação de votos. Conforme se torna conhecida como a candidata de Lula, Dilma consolida posição. A rejeição a Serra, na opinião de Coimbra, é grande, mas decorrência da definição de voto por Dilma. Por essa razão, Coimbra duvida da eficiência da campanha negativa de Serra.

Maria Inês Nassif (09/09/2010)
Fonte: Jornal Valor Econômico

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Diminuiu a distância do rico para o pobre

Os tucanos pensam que a Classe C fica entre a “Business” e a “Econômica”

O jornal nacional transformou o Brasil num Haiti ao tratar dos resultados – brilhantes ! – da PNAD, do IBGE.
O jornal nacional descreveu um país miserável, desempregado, analfabeto, que vive sentado numa vala negra.
Uma desgraça !
O amigo navegante sabe muito bem que a realidade (a PNAD) é outra.
Tanto que o Zé Baixaria vai pedir à Dra. Cureau para investigar por que o Lula vazou a PNAD pouco antes da eleição.
(Por falar na Dra. Cureau: por que será que o PiG (*) ignorou quando ela jogou água na fervura no Golpe do sigilo ? É incompreensível, não, amigo navegante ?)
Segundo Marcelo Neri, economista do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio e responsável pelos estudos mais consistentes sobre a “nova Classe C”, “a melhor boa nova pnadiana” é que melhorou a distribuição da renda.
A renda per capita cresceu.
A renda dos 40% mais pobres cresceu 3% contra 1% dos 10% mais ricos.
Ou seja, a desigualdade continua em queda. (O Índice de Gini, que mede a desigualdade, caiu 0,7% (**)).
“Após a recessão do primeiro ano do Governo Lula até 2008, 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza … adicionamos no ano passado mais 1 milhão … A taxa de pobreza cai de 16% para 15% da população, uma queda de 4%.
Que horror !
E olha que o Marcelo Neri não é petista (até onde esse ordinário blogueiro pode perceber).
Basta aguardar uma pesquisa que Neri tem no forno: como anda a nova classe média brasileira.
Em nome da estabilidade física e mental do Zé da Baixaria seria recomendável que o Neri divulgasse esse novo estudo sobre a “Classe C” – que os tucanos pensam que é uma classe entre a “Business” e a “Econômica” – só depois do dia 4 de outubro.
Mais ou menos na mesma data em que o Amaury lançar o livro – “Os Porões da Privataria” - sobre a relação da filha do José Serra com a irmã do Daniel Dantas, sócias – como mostram esses documentos - num empreendimento na Brickell Av, em Miami (em Miami !).

Paulo Henrique Amorim

Em tempo: patético é o titulo da primeira página do Globo: “O país de Lula: esgoto em baixa, consumo em alta”. Engraçado. Por que então o candidato do redator da primeira pagina do Globo não tem 54% do tracking da Vox ?

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(**) Quando o William Bonner explicou ontem o que era o Índice de Gini a televisão lá de casa deu um estalo e quase se arrebenta. Ah, essa “falsa cultura !” – diria o Millor.

Fonte: www.conversaafiada.com.br (09/09/2010)

O Alcorão e o jornalismo espetáculo

O jornalismo espetáculo que toma conta do planeta cometeu seu atentado mais recente ao dar espaço para um maluco chamado Terry Jones que inventou o dia de queimar o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, marcando-o para o 11 de setembro, a data dos atentados às Torres Gêmeas de Nova York e ao Pentágono (em 2001).
Depois de apropriada pelos "facebook" da vida, se alastra como fogo na pradaria.
Fica tarde demais para contextualizar um pouco a coisa e mostrar que Jones não representa nada nem ninguém. Segundo o relato da competentíssima correspondente da Folha em Washington, Andrea Murta, tem apenas 50 seguidores na igreja que criou, a "Dove World Outreach".
Gainesville, a cidadezinha da Flórida em que Jones atua, tem somente 114 mil habitantes e nenhuma relevância política nem mesmo no Estado, quanto mais no país.
É óbvio que o maluco estava buscando seus 15 minutos de fama ao lançar o dia de queimar o Alcorão. Conseguiu bem mais do que isso. O jornal espanhol "El País" chegou a dar o seguinte título, no alto da primeira página desta quarta-feira: "Alarma mundial pela anunciada queima pública do Alcorão no próximo 11-S".
Não tenho condições de dizer se há ou não "alarma mundial", mas o general David Petraeus, o comandante militar norte-americano no Afeganistão, se alarmou --e bastante. Disse que "as imagens do Alcorão ardendo serão usadas por extremistas no Afeganistão --e no resto do mundo-- para incitar à violência".
É o que dá o jornalismo tratar como notícia relevante (e séria) o que é apenas folclore, perigoso, mas folclore. No máximo, no máximo, o caso do "pastor" Jones deveria entrar nas colunas de "faits divers", ao lado, por exemplo, da ameaça de Maradona de desfilar nu se a Argentina fosse campeã do mundo.
É evidente que o jornalismo espetáculo pegou carona na islamofobia que de fato é uma tendência incômoda e inquietante não apenas nos Estados Unidos. Daí, no entanto, a tomar a ameaça de um maluco perdido no interior da Flórida como representativa dessa tendência vai todo um abismo.
Nem o reacionaríssimo movimento "Tea Party" chegou ao extremo de mandar ao fogo do inferno o livro sagrado dos muçulmanos.
Corre-se o risco de deixar de discutir o relevante que é, por exemplo, a polêmica em torno da construção de uma mesquita nas imediações do chamado "Ponto Zero", o centro dos ataques terroristas de 11 de setembro.
Nesse caso sim, as sensibilidades de uma parte e da outra estão à flor da pele. Dispensam o espetáculo.
Não por acaso, acaba de sair pesquisa, relativa à América Latina mas que, suponho, vale também para os Estados Unidos, que mostra, primeiro, o que já se sabe: os noticiários de televisão são os que gozam de maior confiança (ou audiência?): 61,9% dizem que confiam neles muito ou algo contra apenas 9,2% que não têm a menor confiança.
Até aí, nem é notícia. Depois é que vem o vínculo com o caso do "pastor": os pesquisados dizem que o noticiário de TV é o melhor instrumento para que o governo os ouça. Mecanismos mais, digamos, tradicionais (procurar o Congresso, a Justiça ou as autoridades do Executivo diretamente) não são tão eficientes para alcançar o ouvido do poder.
Por isso mesmo, o segundo mecanismo para ser ouvido são as manifestações na rua, de preferência com o bloqueio do trânsito. Os pesquisados dizem que é dessa forma que se consegue aparecer na TV e, por extensão, chegar aos poderosos.
É óbvio que Terry Jones jamais chegará a ser ouvido por quem quer que seja se a TV --meio em que jornalismo e espetáculo muitas vezes andam de mãos dadas-- não mostrar a queima do Alcorão.

Clóvis Rossi
Fonte: www.folha.com (08/09/2010)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Brasileiros são os mais barrados em aeroportos da Europa no 1º trimestre

Segundo os dados mais recentes da agência de controle de fronteiras, 1.842 pessoas tiveram de voltar ao País só entre janeiro e março

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Comissão Europeia, Jose Manual Barroso, não perdem a oportunidade de declarar que Brasil e União Europeia (UE) são aliados. Mas, nas fronteiras, a realidade é diferente. Dados da Frontex - agência europeia de controle de fronteiras - mostram que, no primeiro trimestre de 2010, os brasileiros foram os mais barrados em aeroportos da Europa.
Segundo a agência, 25.400 estrangeiros tiveram entrada rejeitada entre janeiro e março - número menor que o de trimestres anteriores, provavelmente pela crise na zona do euro. Deles, 1.842 eram brasileiros - 6,3% a mais que no final de 2009. O volume só perde para o total de ucranianos barrados, que chega a 5 mil. Estes, porém, não são obrigados a tomar aviões - até andando podem tentar cruzar a fronteira de seu país com a UE.
Para os europeus, os brasileiros barrados não deram garantias de que voltariam ao País e eram suspeitos de tentar entrar de forma irregular. Muitos deportados, no entanto, têm versões diferentes.
Assim como outras nacionalidades, os brasileiros também reduziram suas viagens à Europa no auge da crise. Há um ano, eram 2,2 mil detidos. Mas, naquele momento, cidadãos russos e georgianos, além dos ucranianos, eram em maior número.
Segundo a Frontex, os dados se justificam pela distância entre Brasil e Europa. Se africanos podem tentar entrar por barco e a cidadãos do leste europeu basta pegar um carro, os brasileiros precisam do avião. Mesmo assim, os vetos a brasileiros superam os de nigerianos, chineses e indianos.

Sem visto

Oficialmente, não é preciso visto para um brasileiro entrar na Europa. Mas, com políticas imigratórias cada vez mais restritas, a UE e seus 27 países vêm endurecendo os controles em fronteiras e aeroportos. No caso dos brasileiros, a instrução dada aos policiais aduaneiros é a de pedir provas de que têm dinheiro, hotel para ficar e, principalmente, passagem de volta.
Nos últimos anos, a diplomacia brasileira tem se queixado da situação e solicitado que cidadãos sejam tratados com dignidade até a deportação. Fontes do Itamaraty contaram ao Estado que a pressão continua sendo feita. "O tema de imigração sempre surge nas reuniões com a UE", resume um experiente negociador brasileiro na Europa.

Jamil Chade
Fonte: www.estadao.com.br (07/09/2010)

Para reduzir mensalidade, faculdades superlotam classes e laboratórios

Em busca dos estudantes da classe C, instituições particulares adotam modelo de curso de graduação mais barato. Com um número maior de pessoas por sala de aula, é possível diminuir gastos com infraestrutura e professores. Formato divide alunos.

O ingresso de estudantes da classe C no ensino superior brasileiro está levando muitas universidades e faculdades particulares a investir num modelo econômico de curso, que associa mensalidades reduzidas com classes muito grandes, formadas em geral por mais de 100 alunos.
A estratégia permite que as instituições fechem as contas no azul, mesmo cobrando mensalidades entre R$ 300 e R$ 500. Com salas maiores, caem os gastos com infraestrutura e, principalmente, o investimento em corpo docente - quanto maiores são as turmas, menos professores são necessários.
O modelo, porém, é polêmico. Alguns alunos aprovam, pela vantagem da mensalidade mais barata. Outros reclamam da bagunça nas aulas, da dificuldade para ouvir os professores, da pouca atenção para cada aluno e da falta de condições apropriadas em laboratórios.
Ao entrar em Educação Física da Universidade Paulista (Unip) no ano passado, Carolina Paiva, de 21 anos, não imaginava que a quantidade de colegas de sala representaria uma barreira ao aprendizado. No laboratório de anatomia, os mais de 100alunos tinham de se espremer em volta do professor e do único exemplar de corpo.
"As aulas práticas também não eram produtivas. Para tudo era preciso ficar esperando", conta. Segundo a estudante, a situação melhorou este ano porque a alta evasão reduziu a turma quase pela metade.
Aluno do 3.º ano de Ciências da Computação na Universidade Nove de Julho (Uninove), Caio Leandro Alves Madeira, de 20 anos, conta que no início do curso, quando sua turma tinha 80 alunos, faltavam até carteiras na sala e as aulas eram muito tumultuadas. "Não é como nos EUA, onde as salas são cheias mas todo mundo é interessado", diz. Como resultado, muita gente desistiu do curso, sobrando apenas cerca de 30 alunos. "Está bem melhor, mas ainda hoje, nas aulas práticas, ficamos em dois por computador."
Ademir Fonseca, de 40 anos, no último ano de engenharia elétrica da Uninove acredita que sua sala, com 70 alunos, tem um "tamanho bom". Ao menos para aulas expositivas. "O problema mesmo é nos laboratórios. Tem sempre pouco equipamento. Falta até cadeira para todo mundo."
A turma de contabilidade de Agnon Antônio da Silva Junior, na FMU, começou com quase 100 estudantes. "Fica uma bagunça", diz.
A reclamação é a mesma de Fernanda Zanco, de 21 anos, no 3.º ano de administração na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). "Com 80 alunos, se o professor faz uma piada, leva dez minutos até acalmar a classe", diz.
Para o consultor em ensino superior Ryon Braga, o problema não está no tamanho das turmas em si, mas em como a instituição de ensino monta seu projeto pedagógico. "Na aula expositiva, não importa se são 50 ou 500. Mas nas universidades são necessários também momentos de interação e discussão. Nisso as classes devem ser divididas. Não dá para ter debate em uma sala com 80", afirma.
Justificativa. Procuradas pela reportagem, a Unip e a Uninove não quiseram se pronunciar sobre o tema e as condições da sala. Para o presidente da Anhanguera Educacional, Antônio Carbonari Netto, o modelo das salas numerosas é necessário e positivo se for adotado com cuidado. "Claro que precisa ter estrutura para atender a todos. Mas não se pode ter aula teórica para só 30 ou 40 alunos; é desperdiçar um bom professor", explica. "Muitos ainda não mudaram o paradigma, mas se você tem bons professores, ninguém reclama de estar em uma sala grande."
Segundo a FMU, "algumas turmas, pontualmente, estão sendo divididas para atender a um melhor aproveitamento pedagógico e acadêmico". A Fecap informou que o tamanho médio das turmas é de menos de 50 alunos. "Acreditamos que o sentimento não representa a opinião da grande maioria de nosso corpo discente", diz a nota.

ANTONIO CARBONARI NETTO
PRESIDENTE DA ANHANGUERA

"Se o professor for motivador e tiver preparo, vai conseguir atenção dos alunos. Aí sobra mais dinheiro para gastar em outras coisas, como pesquisa. Muitos ainda não mudaram o paradigma, mas se você tem bons professores, ninguém reclama de uma sala grande."

Luciana Alvarez
Fonte: http://www.estadao.com.br/ (07/09/2010)

A verdade sobre o Grito

(Em homenagem a este nobre dia, republico aqui um texto que conta como foi realmente proclamada a independência no Brasil)

Quando fazia as pesquisas para meu primeiro livro ("O Chalaça"), um romance histórico que tem como protagonista o secretário particular do primeiro imperador do Brasil, deparei-me com um documento surpreendente: uma carta de dom Pedro 1º para sua amante Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos.
Tais papéis contavam uma nova versão para a independência do país.
Tratava-se de uma revelação tão retumbante que, confesso, tive receio das possíveis repercussões e a omiti.
Porém, passados 15 anos do livro e quase 200 desde o Dia do Grito, finalmente tomo um gole de coragem e trago a público esta importante página da história pátria:
"Titília, minha querida, nestes dias aconteceram coisas mui divertidas que não posso deixar de te contar. Tudo começou quando voltávamos de Santos. Estávamos ao lado do riacho Ipiranga quando o Chalaça espreguiçou e disse: 'Bem que podíamos dar uma parada e jogar uma partidinha de futebol'.
"Imediatamente aprovei a ideia e ordenei à comitiva que desmontasse dos burros. Por sorte havia dois pares de palmeiras que nos serviriam perfeitamente de traves. Porém, havia um problema. Não estávamos em 22, mas apenas em 13. Então mandei que o Chalaça fosse convidar nove homens entre os camponeses que estavam ali perto a nos observar. Como não se nega um convite do príncipe regente, logo tínhamos onze de cada lado. Um dos times, só com os portugueses da comitiva, ficou escalado assim: Joaquim; Manuel, Joaquim Manuel, Manuel Joaquim e Manu; Quim, Manuelzão e Quinzinho; Maneco, Quinzão e Jota Eme.
"No outro ficamos o Chalaça, eu (de goleiro, é claro) e os nove brasileiros. Não lembro de todos, mas sei que havia um de pernas tortas, um de fartos bigodes, um que possuía um nome grego (talvez Sófocles), um branco alcunhado de Galinho e um negro chamado Nascimento.
"Mal começou a peleja e vi que seria um passeio. Os brasileiros trocavam passes com tanta maestria que mais pareciam bailarinos. Penetrávamos na defesa adversária como se fôssemos faca e ela, manteiga. Eu não precisei fazer uma defesa sequer e fiquei encostado numa das palmeiras assistindo ao espetáculo.
"Os nossos golos brotavam naturalmente, e o primeiro tempo terminou com o redondo placar de 10 a 0. Foi então que minha comitiva, irada por perder de forma tão vexaminosa, cercou-me e exigiu que eu e o Chalaça deixássemos o time dos brasileiros e passássemos à equipa dos lusitanos. 'Teu dever é defender Portugal', diziam eles.
"Pensei em como seria terrível enfrentar aquela equipa e não tive dúvidas, ergui a bola e gritei: 'Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus e pelo meu time, juro promover a liberdade do Brasil! Independência ou morte!'
"O jogo continuou e terminamos ganhando por 23 a 1 (o Chalaça fez um golo contra).
"Pois bem, minha Titília, esta é a verdadeira história da Independência do Brasil. Mas, pensando no futuro, creio que vou inventar uma versão menos prosaica, com soldados, espadas e cavalos brancos. Um beijo do teu imperador e goleiro, Pedro."

José Roberto Torero (07/09/2010)
Fonte: http://blogdotorero.blog.uol.com.br

domingo, 5 de setembro de 2010

Como será a bala de prata na campanha

Qual a bala de prata, a reportagem que será apresentada no Jornal Nacional na quinta-feira que antecederá as eleições, visando virar o jogo eleitoral, sem tempo para a verdade ser restabelecida e divulgada?
Ontem, no Sarau, conversei muito com um dos nossos convivas. Para decifrar o enigma, ele seguiu o seguinte roteiro:
1. Há tempos a velha mídia aboliu qualquer escrúpulo, qualquer limite. Então tem que ser o episódio mais ignóbil possível, aquele campeão, capaz de envergonhar a velha mídia por décadas mas fazê-la acreditar ser possível virar o jogo. Esse episódio terá que abordar fatos apenas tangenciados até agora, mas que tenham potencial de afetar a opinião pública.
2. Nas pesquisas qualitativas junto ao eleitor médio, tem sobressaído a questão da militância de Dilma Rousseff na guerrilha. Aliás, por coincidência, conversei com a Bibi que me disse, algo escandalizada, que coleguinhas tinham falado que Dilma era "bandida" e "assassina". Aqui em BH, a Sofia, neta do meu primo Oscar, disse que em sua escola - em Curitiba - as coleguinhas repetem a mesma história.
As diversas pesquisas de Ibope e Datafolha devem ter chegado a essa conclusão, de que o grande tema de impacto poderá ser a militância de Dilma na guerrilha. A insistência da Folha com a ficha falsa de Dilma e, agora, com a ficha real, no Supremo Tribunal Militar, é demonstração clara desse seu objetivo. Assim como a insistência de Serra de atropelar qualquer lógica de marketing, para ficar martelando a suposta falta de limites da campanha de Dilma – em cima de um episódio que não convenceu sequer a Lúcia Hipólito.
Aliás, o ataque perpetrado por Serra contra Lúcia – através do seu blogueiro – é demonstração cabal da importância que ele está dando à versão da falta de limites, mesmo em cima de um episódio que qualquer avaliação comezinha indicaria como esgotado.
A quebra de sigilo é apenas uma peça do jogo, preparando a jogada final.
A partir daí, meu interlocutor passou a imaginar como seria montada a cena.
Provavelmente alguém seria apresentado como ex-companheiro de guerrilha, arrependido, que, em pleno Jornal Nacional, diria que Dilma participou da morte de fulano ou beltrano. Choraria na frente da câmera, como o José Serra chora. Aí a reportagem mostraria fotos da suposta vítima, entrevistaria seus pais e se criaria o impacto.
No dia seguinte, sem horário gratuito não haveria maneiras de explicar a armação em meios de comunicação de massa.
Será um desafio do jornalismo brasileiro saber quem serão os colunistas que endossarão essa ignomínia – se realmente vier a ocorrer -, quem serão aqueles que colocarão seu nome e reputação a serviço esse lixo.
Essa loucura - que, tenho certeza, ocorrerá - será a pá de cal nesse tipo de militância de Serra e de falta de limites da mídia. Marcará a ferro e fogo todos os personagens que se envolverem nessa história. Incendiará a blogosfera. Todos os jornalistas que participarem desse jogo serão estigmatizados para sempre.
Todas essas possibilidades são meras hipóteses que parte do pressuposto da falta de limites total da velha mídia.
Mas a hipótese fecha plenamente.

Luis Nassif (05/09/10)
Fonte: www.advivo.com.br/luisnassif

MÍDIA SUJA: A capa da Folha de São Paulo de domingo

A grande mídia brasileira, com destaque para a paulista, estufa o peito para dizer que seu trabalho é revelar a verdade dos fatos e para isso procura trabalhar de forma objetiva e neutra.
Várias matérias da mídia mostram que essa busca incessante por verdade não é bem neutra como querem que acreditemos. A última capa de domingo do jornal Folha de São Paulo (05/09/10) demonstra isso. Faltando menos de um mês para o dia da votação das eleições deste ano, o jornal apresenta a seguinte manchete: “Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma”.
Pergunta: Por que somente agora, um mês antes do pleito, essa matéria foi lançada?

Rogério de Souza

A Ficha Pública e as eleições proporcionais

Estamos a pouco mais de um mês das eleições, e os jornais estão repletos de manchetes sobre os candidatos a presidente e a governador. Pouca atenção, no entanto, tem sido dada a dois cargos de subestimada relevância: deputado estadual e deputado federal.
Não surpreende que, em um regime fortemente presidencialista, tenham maior visibilidade os cargos majoritários; todavia, não se pode esquecer a importância de nossos parlamentos, sob pena de agravarmos a crise institucional que abala o Legislativo.
A escolha de bons representantes nas Casas legislativas é essencial para o futuro do Brasil. É de seu interior, espera-se, que sairão as reformas necessárias ao desenvolvimento do país. Como fazer, no entanto, uma boa escolha? Que critérios utilizar no momento de eleger nosso candidato?
Hoje, mesmo o eleitor mais informado tem dificuldades em descobrir as propostas dos candidatos à Câmara Federal e às Assembleias. Na imprensa, o cidadão pouco encontra que o auxilie na fundamentação de seu voto. Nas ruas, milhares de cartazes tentam conquistá-lo apenas pelo apelo visual.
Nesse contexto, acaba votando nos políticos cujo trabalho já conhece, impedindo a renovação.
Poder-se-ia atribuir aos candidatos a pobreza de ideias que reina na campanha a deputado. No entanto, não se trata apenas da boa vontade do candidato. O quociente eleitoral do Estado de São Paulo aproxima-se dos 300 mil votos. Esse elevado número acaba por massificar a campanha, tornando-a extremamente superficial.
Além disso, o pouco espaço destinado à apresentação de suas propostas é disputado por milhares de candidatos. Somente no Estado de São Paulo, são quase 2.000 candidatos a deputado estadual e mais de mil ao cargo federal.
A ausência de debate em torno desses cargos, portanto, não é consequência da má vontade dos candidatos, tampouco do desinteresse do eleitorado. Trata-se, antes, de um problema sistêmico, cuja solução exige uma profunda reforma da estrutura político-eleitoral.
Enquanto essa reforma não se concretiza, é fundamental que os atores envolvidos nas eleições aos cargos proporcionais adotem iniciativas para qualificar a discussão.
É nesse sentido que surge o site Ficha Pública (www.fichapublica.org.br). Iniciativa de diversas entidades da sociedade civil, o endereço virtual concentra informações a respeito de candidatos a deputado estadual e federal pelo Estado de São Paulo.
Os dados são preenchidos pelo próprio candidato. Assim, todos saem ganhando: de um lado, o candidato passa a ter um espaço gratuito, no qual pode dar visibilidade a suas ideias e propostas; de outro, o eleitor aproxima-se do candidato, podendo construir seu voto de maneira mais consciente e informada.
Iniciativas dessa natureza, que envolvem todas as partes do processo eleitoral, contribuem para combater a desinformação e a ausência de ideias que, infelizmente, predominam em nossas eleições.
É necessário que os discursos vão além da crítica vazia, transformando-se em propostas concretas que contribuam para um debate de qualidade.

CELINA MARRONE é presidente do Movimento Voto Consciente.
GUILHERME CARVALHO é diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da USP.
SORAIA MORAIS é gerente-executiva do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais).

Fonte: Folha de São Paulo (05/09/10)

Boa notícia, empresários amparam estudantes

Há um mês, um grande empresário decidiu contribuir para formar quatro brasileiros admitidos numa prestigiosa universidade privada (caríssima). Todos tinham bom desempenho escolar e vinham de famílias às vezes dissolvidas, sempre pobres. O filantropo fez questão de proteger todas as identidades do episódio.
Publicada a notícia, veio a boa novidade. Outro empresário resolveu acompanhar o exemplo e replicou a iniciativa, inclusive no anonimato. Pagará as anuidades de outros quatro jovens, que receberão pequenas ajudas em dinheiro e um laptop. Na primeira doação, a conta ficou em cerca de R$ 130 mil anuais.
Todos são bons alunos, dois vivem em favelas e um mora a três horas de distância da faculdade. A renda familiar das quatro famílias vai de R$ 1.900 a R$ 2.200. Dois foram criados pela mãe. Um não tem memória do pai. São filhos de garçom, motorista de ônibus, auxiliares de cozinha e de serviços gerais e vendedora de produtos de beleza.
Uma das famílias está sob ameaça de despejo da casa onde vive. Graças aos próprios esforços e com a ajuda do empresário, em pouco tempo estarão diplomados em direito, engenharia, ciências sociais e jornalismo.

Elio Gaspari
Fonte: Folha de São Paulo (05/09/2010)