terça-feira, 14 de setembro de 2010

Segurança pública e eleições

Os candidatos devem uma abordagem realista, profunda e transparente sobre questões que estão no cerne da falta de segurança de nosso país

Na Inglaterra, não faltam vagas no sistema prisional, tendo o Estado construído as cadeias necessárias para abrigar os seus 85 mil presos. Mesmo assim, no último dia 29 de junho, o seu secretário da Justiça, Kenneth Clarke, anunciou ampla reforma voltada ao desencarceramento, com trabalhos comunitários, ao invés de prisão, para os crimes mais leves.
Isso porque a taxa de reincidência daqueles que saem da cadeia supera os 60%. Além disso, os custos estão insuportáveis até para a forte economia inglesa, gastando-se anualmente 57 mil libras (cerca de R$ 155 mil) por preso, mais do que o valor da educação de uma criança nas escolas mais caras da Inglaterra.
Assim fizeram o Canadá, que, em razão de uma crise econômica, reduziu em 11% o número de presos, e a Finlândia, que diminuiu a quantidade de pessoas encarceradas para 60 a cada 100 mil habitantes. E no Brasil?
Em que pese tenhamos tido em 1998 uma reforma penal, com penas alternativas para os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, apenados com até quatro anos, daquela época para cá o número de presos, que girava em torno de 230 mil, mais do que dobrou, chegando hoje a 473 mil.
Isso tudo com insuportável superlotação, faltando mais de 200 mil vagas! E se a nossa polícia tivesse a capacidade de cumprir metade dos 500 mil mandados de prisão expedidos? Onde colocar essa gente toda? Daí, sinceramente, não acreditar que nosso Estado realmente priorize a efetivação dessas prisões.
E aí está o descrédito dos poderes constituídos, desaguando no episódio ocorrido no Rio de Janeiro, no último dia 21 de agosto, em que gangue fortemente armada andava pelas ruas, sem pudor qualquer, em pleno dia, chegando a invadir hotel de luxo, repleto de turistas.
Ocorre que, diante do lastimável estado de nossas prisões, houve, há poucos dias, outro escândalo naquela cidade, em que os próprios presos faziam o papel de carcereiros ! Ora, se nem os ingleses, com sua forte economia, conseguem pagar a conta de seus 82 mil presos, nós conseguiremos manter população carcerária que, como visto, se cumpridos metade dos mandados de prisão que estão na rua, poderá chegar a 723 mil presos?
Daí o nosso alerta: o legislador e os juízes têm clara ciência dos custos da manutenção de um preso em regime fechado, em nossas podres cadeias, com reincidência superior a 70%? E o contribuinte, é informado desses números?
Esses dados são fundamentais para sabermos quais as projeções para os próximos 20 anos, o impacto econômico e qual política de direito penal que devemos adotar. Os candidatos à Presidência da República e aos governos devem ao eleitor uma abordagem realista, transparente e profunda sobre essas questões, que estão no cerne da nossa falta de segurança.

ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 41, mestre e doutor em direito pela USP, advogado criminalista, é conselheiro da OAB-SP (seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil), professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e coautor de "Código Penal Comentado".

Fonte: Folha de São Paulo - 12 de Setembro de 2010

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