quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Lula e América Latina: o fim de uma era?

Marcela Sanchez, The New York Times
Em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Marisa Letícia, participam das comemorações do 7 de Setembro
Não é fácil ser líder regional na América Latina. Agradar aos seguidores em seu próprio país já é difícil; mas os desafios aumentam quando se tem o perfil do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, no qual depositaram suas esperanças os milhões de pessoas que viram nele a capacidade de influir nos temas políticos e econômicos mais prementes nestes tempos polarizados.
Para alguns nesta cidade, o presidente brasileiro ficou aquém de satisfazer suas expectativas, e agora contam os dias até 3 de outubro, quando seus vizinhos brasileiros irão às urnas para escolher um novo mandatário.
Localizada na área mais rica e branca da Bolívia, no leste, Santa Cruz foi considerada por muito tempo o bastião da oposição ao primeiro presidente indígena do país, Evo Morales. Em busca de maior autonomia do governo central, os cruzenhos - além de aspirar a separar-se da Bolívia - tentaram utilizar os laços econômicos e a proximidade geográfica com o gigante sul-americano para se manter distantes de La Paz.
Lula, no entanto, nunca ofereceu maior apoio à posição de Santa Cruz, uma decisão que se revelou sábia tanto para o Brasil como para a Bolívia. Morales não só foi eleito democraticamente em 2005, como reeleito em 2009; portanto, esteve no poder mais tempo que qualquer de seus predecessores desde que a Bolívia regressou à democracia, em 1982. Isso gera um nível de estabilidade que o Brasil aprecia.
Com relação ao tema das drogas ilícitas, potencialmente mais desestabilizador, o presidente brasileiro também enfrentou um difícil desafio. Enquanto se desligava dos esforços de Morales para glorificar a folha de coca, Lula teve de tomar cuidado para não ser vinculado às políticas antidrogas intransigentes e impopulares que Washington promoveu na Bolívia. Desde que Morales, um antigo líder produtor de coca, expulsou a agência antidrogas FDA de seu país, Lula aprofundou a cooperação entre a Polícia Federal brasileira e suas contrapartes bolivianas, sempre cauteloso para manter um papel discreto.
Isso foi só na Bolívia. Em seus oito anos de governo, o líder brasileiro teve de navegar com habilidade pelas expectativas de muitos outros na região.
Na Colômbia, por exemplo, com frequência o governo de Álvaro Uribe pareceu desiludido com o apoio pouco entusiástico do Brasil a sua campanha anti-insurgentes. Enquanto na Venezuela o presidente Hugo Chávez foi um promotor ardoroso da crescente influência de Lula na região - quando não se dedicava a solapá-la.
Durante esse período, Lula conseguiu manter sua popularidade em casa e no exterior e levantou o perfil do Brasil nos âmbitos regional e global. Favoreceu a integração regional através da criação da União de Nações Sul-americanas e teve um papel importante nas discussões globais de comércio, mudança climática e na crise econômica mundial.
De fato, o crescente peso econômico de países como Brasil, China e Índia levou ao surgimento do Grupo dos 20 como o cenário oficial predileto para coordenar a reação internacional à crise, substituindo o G-7.
Lula também extrapolou às vezes. Particularmente, seu esforço para cultivar uma relação com o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, teve pouco êxito e foi visionário a ponto de fazê-lo parecer insensível e indiferente à situação da população iraniana.
Não há dúvida de que depois da partida de Lula a região perderá seu único líder de estatura internacional e com uma capacidade incomum de convocação. Esta semana o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede na Grã-Bretanha, emitiu seu relatório estratégico anual, em que inclui um extenso exame da crescente influência global da América Latina. Difícil imaginar que esse capítulo se justificasse sem a gestão de Lula.
De todo modo, especialistas brasileiros concordam que a saída do mandatário não levará à retirada do Brasil do cenário internacional. Como disse o embaixador americano Thomas Shannon em uma entrevista em São Paulo: "O Brasil não poderá voltar atrás na região". O veterano diplomata, que ocupou o cargo de secretário assistente de Estado para assuntos do hemisfério ocidental de 2005 a 2009, promoveu por muito tempo a maior participação do Brasil na região, que vê menos como concorrência e mais como um complemento necessário para os esforços de Washington.
Dilma Rousseff, a sucessora escolhida por Lula - que foi sua chefe de gabinete -, provavelmente ganhará a eleição, claramente favorecida pela popularidade de 80% do atual mandatário. Rousseff é considerada uma tecnocrata eficiente, mas menos carismática e sem o perfil internacional de seu chefe.
Mesmo assim, Rousseff terá de subir ao palco internacional, e não só porque seu país sediará a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos dois anos depois. O Brasil enfrenta crescentes preocupações de segurança que não poderá enfrentar isoladamente. O Brasil é o segundo consumidor de cocaína do mundo, 80% da qual provêm da Bolívia. Só isso exigirá que a nova líder seja mais convincente que seu antecessor para conseguir que Morales enfrente o narcotráfico com mais seriedade.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: www.uol.com.br (15/09/2010)

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