sábado, 3 de julho de 2010

A difícil tarefa da ética no Brasil

As eleições se aproximam e os pré-candidatos à presidência da república mais bem colocados nas pesquisas de intenções de voto, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), assinalam que estão dispostos a aprofundar a discussão sobre a ética. No entanto, estudos mostram que a ética no Brasil tem sido, infelizmente, um grande mal entendido.
No mês de outubro do ano passado, o instituto Datafolha publicou pesquisa intitulada “O retrato da ética no Brasil”. Esta revelou que o brasileiro tem clara noção dos comportamentos éticos e morais, porém, parcela significativa da população comete aquilo que publicamente condena.
Por exemplo, 94% concordam ser repreensível vender voto, porém, 13% dos ouvidos admitiram já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente – ou seja, cerca de 17 milhões de pessoas maiores de 16 anos no universo de 132 milhões de eleitores. Além disso, 12% afirmaram que estão dispostos a aceitar dinheiro para mudar sua opção eleitoral, e 33% dos brasileiros concordam com a ideia de que não se faz política sem um pouco de corrupção.
Demonstrando que o problema da corrupção não está apenas na esfera pública, 94% dizem ser errado oferecer propina, contudo, 5% ofereceram propina a funcionário público, 4% pagaram para serem atendidos antes em serviço público de saúde, 2% compraram carteira de motorista e 1% diploma.
A pesquisa mostra ainda que 31% dos entrevistados colaram em provas ou concursos (49% entre os jovens), 27% receberam troco a mais e não devolveram, 26% admitiram passar o sinal vermelho, 14% assumiram parar carro em fila dupla, 68% compram regularmente produtos piratas, 30% compraram contrabando, 18% compraram de cambistas e 15% baixaram filme da internet sem pagar.
Desmitificando a tese que a condição social e a falta de formação escolarizada dificultariam a difusão do comportamento ético e moral, a pesquisa revela que são justamente os mais ricos e mais estudados que têm as maiores taxas de infrações (97% dos que ganham mais de dez mínimos assumem ter cometido infrações e 93% daqueles que têm ensino superior também). Entre os mais pobres, 76% assumem infrações, dos que têm só o ensino fundamental, 74% afirmam o mesmo.
Apesar de todo quadro mostrado acima, 74% dos entrevistados disseram que sempre respeitam as leis. Deste modo, poderíamos inferir, de forma rasteira, que o brasileiro sofre de doença semelhante à esquizofrenia, já que pensamos corretamente a respeito da ética, no entanto, o que fazemos na prática corresponde pouco ao pregamos.
Sendo assim, concluímos lembrando que uma discussão mais aprofundada sobre a ética no nosso país não deve focar somente o campo da política, uma vez que, como releva a pesquisa do Datafolha, tal problema perpassa por toda a sociedade exigindo, dessa forma, uma mudança de postura, não apenas dos governantes, mas de todos os brasileiros.

Rogério de Souza. Professor e sociólogo. Doutorando em sociologia pela Unicamp.

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