quinta-feira, 8 de julho de 2010

IDEB - O milagre de São Rafael

Durante a infância e a adolescência, Flávio José Dionysio tinha dificuldade com a leitura e a escrita. "Não conseguia entender direito o que estava no papel". Ao chegar à faculdade, sentiu-se ainda mais atormentado diante dos textos passados pelos professores. "Meu vocabulário era pobre." Apesar desse passado, ele se transformou, nesta semana, numa das estrelas da educação do Brasil - justamente por ajudar estudantes a gostar de ler.
Desde 2005, ele dirige uma escola localizada numa das regiões mais pobres da cidade de São Paulo, que, na segunda-feira passada, apareceu em primeiro lugar entre os estabelecimentos da rede pública com 5º ano da capital, de acordo com o índice de educação (Ideb) divulgado pelo Ministério da Educação.
Fato surpreendente, a escola ultrapassou, com folga, a Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, cercada de doutores e especialistas por todos os lados. Filho de analfabetos funcionais, Flávio teve pouca ajuda para enfrentar a dificuldade com a língua portuguesa. Persistiu e entrou numa faculdade de pedagogia. "Foi aí que vi o tamanho do meu atraso." Mas resolveu encarar o problema.
Passou a ler tudo o que lhe caía nas mãos, sempre acompanhado de um dicionário. Aos poucos, aumentava sua capacidade de entender os textos e de escrever. Formado, seguiu carreira na rede pública de São Paulo. Em 2005, chegou a diretor da escola Rita Pinto de Araújo, no distrito de São Rafael, que, no topo da lista dos piores indicadores sociais de São Paulo, ostentava a 9ª maior taxa de analfabetismo funcional da cidade.
Estabeleceu um contato permanente com os pais dos alunos e com a comunidade, manteve o prédio limpo e pintado. Mas a principal receita do sucesso foi investir no prazer dos livros. A sala de leitura virou um dos principais espaços para professores e alunos. "Tentamos trazer o aprendizado para o cotidiano."
Isso inclui levar os alunos a estudar ciências não só nos livros mas também numa visita ao zoológico ou a um teatro, mas são raríssimas as chances de promover esses passeios. "A cidade pode ser uma fonte de encantamento no aprendizado."
Nem sempre São Paulo foi sinônimo de encanto para Flávio. Ele veio de Mauá e foi morar na zona leste, perdido no trânsito, na correria e na violência da periferia. "Com o tempo, aprendi a lidar com o caos paulistano."
Aprendeu tornando-se um aluno da cidade. De olho nas ofertas culturais gratuitas, ele frequenta museus, teatros, exposições, concertos, shows, cinemas. Uma vivência difícil para seus alunos, sem condições de bancar o transporte.
Seu sonho, como educador, é que seus alunos, como ele, possam usar a cidade como uma sala de aula.
PS- Flávio é uma prova do que vivo dizendo. Um dos melhores e mais baratos investimentos em educação é formar bons diretores de escola. Daí se fazem milagres como uma escola num bairro carente superar a Escola de Aplicação da USP, onde abundam talentos acadêmicos.
Gilberto Dimenstein
Fonte: http://www.aprendiz.uol.com.br/ (07 de julho de 2010)

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